"Vá em casa e fale com seus pais para ir comigo para o passeio amanha"
Essa era a frase que desencadeava um fervor sem tamanho, ansiedade que não me deixara dormir até que a resposta de meus pais me enchesse de felicidade.
- Mãe, Maria esta organizando um passeio para Barra de São Miguel, vai ser na madrugada de sábado para domingo, ela me convidou para ir com ela, posso ir?
- Vocês vão de ônibus ou caminhão?
- Ela fretou um caminhão, desses que a senhora vai para Juazeiro do Norte, tem bancos e é coberto.
Maria era minha vizinha, e apesar de meus oito anos de idade, eramos amigos. Maria morava em uma casa em frente a minha, na parte de cima da rua. Entre minha casa e a dela passava a linha do trem, de onde tantas vezes, sentado em sua calçada, esperando o bolo ficar pronto, via aquela serpente de ferro subindo barulhenta rua a cima.
- Mãe, a senhora tem um dinheiro para eu comprar uma fatia de bolo de Maria.
- Hoje não meu filho, veja outra coisa para o lanche.
Nem sempre eu poderia comprar a fatia de bolo.
- Maria, hoje minha mãe não tem dinheiro para me dar.
- Já guardei sua fatia, depois você paga.
Algumas dezenas de vezes não paguei a Maria, com oito anos de idade dependia de meus pais e nem sempre eles tinham dinheiro para me dar.
Maria me tratava como um amigo próximo, como se fosse um de seus filhos, e acho que era por isso que meu prato azul, de plástico, com marcas de arranhões de garfo e faca, sempre me esperava com a fatia de bolo do canto da forma.
Assim era a relação que tínhamos e foi essa relação de proximidade e confiança, que fazia meus pais dizerem sim ao passeio à praia.