terça-feira, 9 de julho de 2013

Caminhos de Fé!



As lembranças brotam em minha memória, como água límpida das nascentes,  saltam de meus dedos, ouço o barulho do caminhão, o cheiro do lenço que minha mãe levara amarrado a cabeça, vez em quando as pontas do lenço caiam sobre meus ombros, eu os pegava e enrolava o pescoço com a intenção de proteger minha garganta. Sentado ao seu lado, eu buscava de alguma forma me aquecer do frio que assolava aquela noite de primavera.
----No sertão é assim ,dias de calor sem fim, e noites de frio que parece não ter fim ---- Minha mãe afirmava.
Viajava além do que meus olhos viam nas estradas escuras, eu só retornava ao caminhão, quando o frio fazia meu queixo bater, minha mãe me abraçava e me aquecia com seu sorriso feliz, impar e inexplicável, pela milésima vez ela viajaria a Juazeiro do Norte- Ceara, mas sua empolgação convencia a todos que, aquela era sua primeira viagem.
----Juazeiro é terra santa e a casa de meu Padrinho Padre Cícero ---- Dizia D. Sebastiana.
Minha mãe viajava sempre com as mesmas amigas,  D. Sebastiana era uma das mais fervorosas, ela quem organizava a viagem, alugava o caminhão, combinava valor dos motoristas, acertava a dormida e o rancho - nome que elas davam as pousadas onde se hospedavam.
Devotas e donas de uma fé inabalável,  para mim estava sendo uma experiência incrível, viajar imerso aquele universo particular.  
Os benditos a Padre Cícero entoavam durante toda viagem, entre um cochilo e outro as vozes agudas iam se instalando em minha memória, "bendito e louvado seja, a luz que mais alumeia, valei-me meu Padrinho Cícero e Mãe de Deus das Candeias", era um dos que mais seria cantado durante toda a viagem. 
Noite e dia se confundiam tamanho desconforto da viagem naquele pau de arara, o conforto se fazia presente diante da admiração diante da fé das pessoas que ali viajavam. 
A cada quilometro que rodávamos meus olhos eram inundados por uma realidade desconhecida. Dezenas de povoados surgiam a beira da estrada. Umas casas eram de taipa, outras de tijolos de alvenaria, parte das casas com reboco e pintura desgastada, outra parte com tijolos a vista, todas com portas divididas ao meio, com a tinta azul já escassa, a parte de cima das portas estavam abertas com as pessoas debruçadas observando o barulho dos caminhões que passavam em comboio. Cada casa tinha seu terreno dividido por pedaços de madeira finos, tão juntos que não passava um suspiro de vento, a maioria arrodeadas de plantação de palmas.
---- Mãe como essas pessoas sobrevivem em meio a essa secura toda?
---- A vida sempre dá um jeito meu filho-- Respondia minha mãe. Terra que de tão seca rachava num pedido de socorro aos céus, para mim quase sem verde, aparentemente sem vida. Quanto mais mim perguntava mais a vida abria aquelas janelinhas de madeira pintadas de azul, casas  recheadas de acenos, sorrisos e olhinhos iluminados, os mesmos olhinhos que hora acenavam, hora corriam atrás do caminhão a fim de vender umbu na beira das rodovias, que em forma de serpentes infinitas, tremulava minha visão ao exalar aquele calor escaldante. Além das palmas enxergávamos em meio ao campo seco, arvores verdes imponentes, eram os imbuzeiros que socorre as famílias com seus frutos e geram renda. em uma das paradas do caminham havia uma mãe com seus quatro filhos.
---- Meu marido morreu tem 2 anos, e desde então vendo umbo nesse ponto. Dona Filó nos contou que vende para sustentar seus filhos, que vão a escola, e quando podem ajudam a mãe no ponto de venda.
---- Quando a vendagem é boa compro açúcar e faço doce de umbu, ai ganho mais um dinheirinho, é assim que compro comida e o que posso para meus meninos, quero que eles estudem para arrumar um trabalho na cidade, eu já estou com a vida sem jeito, mas eles quero que vivam uma vida melhor.
As palavras de D. Filó me calaram, meus olhos encheram de lágrimas, suas palavras ressoariam durante toda a nossa viagem, ela estaria em meus pedidos a Padre Cícero por melhores condições de vida aos meus e para ela. 
Um de meus cochilos seria interrompido pelo buzinaço dos caminhões, além dos estouros dos fogos de artifício, era o aviso sonoro de nossa chegada. Dona Maria das Dores, ou simplesmente Dasdores, já nos aguardava. Vestida com um vestido de chita floral, arrastava seu chinelo e sorria feliz a nos recepcionar, antiga conhecida de minha mãe e de D. Sebastiana, era em seu rancho que elas se hospedavam sempre que viajavam ao Juazeiro, em minutos estávamos arranchados, expressão que os Romeiros usavam naqueles tempos.
Começaria então a Romaria propriamente dita, as visitas ao Horto, as Igrejas, a cidade e suas feiras. Milhares de pessoas se apertavam e aos prantos rezavam agradecidas pelos milagres, pela vida, de tudo, lembro muito da confusão de rostos, os mesmos que nos acompanharam durante toda a viagem, abrindo as janelinhas de madeira, vi pelas ruas os mesmos rostos que vendiam umbu e que corriam atras do caminhão. 

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